domingo, 29 de maio de 2016

Numa folha de papel amarrotada
Com palavras inscritas não ditas
O halo dos passos,
Sempre presentes sempre ausentes,
Permanece.
Metáfora de uma história inacabada
Que se repete até à exaustão
Ora vento ora pena
Meio sorriso meio desdém
Completa etapa de um tempo escasso 
Que foge
Da inquietude 
Do desespero dos sonhos aniquilados
pela prepotencia dos cobardes

Ficarás por aí esfíngica altiva
Desapossada do mundo que te amou
Só 
Sem silêncio sem dor sem perfume
Quadro perfeito para o teu desamor


Adelson Amaral
28/05/2016










domingo, 1 de maio de 2016

Vivo na Esperança de um Gesto

Vivo na esperança de um gesto 
Que hás-de fazer. 
Gesto, claro, é maneira de dizer, 
Pois o que importa é o resto 
Que esse gesto tem de ter. 
Tem que ter sinceridade 
Sem parecer premeditado; 
E tem que ser convincente, 
Mas de maneira diferente 
Do discurso preparado. 
Sem me alargar, não resisto 
À tentação de dizer 
Que o gesto não é só isto... 
Quando tu, em confusão, 
Sabendo que estou à espera, 
Me mostras que só hesitas 
Por não saber começar, 
Que tentações de falar! 
Porque enfim, como adivinhas, 
Esse gesto eu sei qual é, 
Mas se o disser, já não é... 

Reinaldo Ferreira, in 'Um Voo Cego a Nada' 

Sou

Sou o que sabe não ser menos vão 
Que o vão observador que frente ao mudo 
Vidro do espelho segue o mais agudo 
Reflexo ou o corpo do irmão. 
Sou, tácitos amigos, o que sabe 
Que a única vingança ou o perdão 
É o esquecimento. Um deus quis dar então 
Ao ódio humano essa curiosa chave. 
Sou o que, apesar de tão ilustres modos 
De errar, não decifrou o labirinto 
Singular e plural, árduo e distinto, 
Do tempo, que é de um só e é de todos. 
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada 
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada. 

Jorge Luis Borges, in "A Rosa Profunda"